João Cutileiro
Conjunto de esculturas de figuras femininas em pedra mármore que evocam as Tágides, figuras míticas Camonianas em torno de uma falua, barco tradicional do Tejo.
As tágides de Cutileiro são meninas nuas a brincar na água: soltas, despreocupadas.
O escultor chamou-lhes “Tágides” por Camões ter assim denominado também as ninfas que viveriam no rio Tejo e às quais ele pediu inspiração para escrever “Os Lusíadas”. As ninfas, segundo a mitologia, são seres que vivem nas águas dos rios e dos mares (quem tiver curiosidade, pode ir a “Os Lusíadas”, Canto I, ler as Estrofes 4 e 5, onde Camões faz, justamente, a "Invocação às Tágides").
João Pires Cutileiro nasceu em Lisboa a 26 de Junho de 1937. Teve uma infância e adolescência felizes, tendo viajado bastante, devido à profissão do seu pai, médico da Organização Mundial de Saúde. Desde muito novo que se interessou por escultura. Entre 1948 e 1950 já modelava e pintava no atelier de Jorge Barradas.
Em 1951, quando ia a caminho de Kabul (Afeganistão), onde seu pai esteve a trabalhar durante um ano, passa por Florença, onde toma contacto com a obra de Miguel Ângelo. Foi uma experiência marcante, que lhe fez aumentar a certeza de que queria fixar-se na Escultura (certeza essa que teve aos seis anos de idade, quando esculpiu um presépio). Na volta de Kabul matricula-se, então, na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, sendo seu professor Leopoldo de Almeida.
Entre 1955 e 1959 matricula-se na Slade School of Art, em Londres. Tira o seu diploma e permanece até ao ano de 1970, em Inglaterra. Trabalhou principalmente com o escultor Reg Butler que o influenciou e convidou para seu Assistente de atelier. Durante o período do curso na Slade contacta de perto com o escultor Henry Moore, um dos nomes que irá marcar os escultores da nova geração.
Em 1966 Cutileiro começa a usar máquinas eléctricas de corte da pedra, o que lhe permitiu dedicar-se exclusivamente ao mármore. Começam então a surgir, sucessivamente, os torsos, as paisagens, as caixas, as árvores e as flores.
Em 1970 passou a residir em Lagos, onde iniciou cursos de escultura no Centro da Pedra. Em 1975 explorou a possibilidade do mosaico como forma de reutilização de desperdícios de mármore. Executa nessa altura as séries Piscibas e Árvores e produz os primeiros mosaicos a partir de fragmentos de mármores. Participa em exposições internacionais, designadamente na Alemanha, em Madrid, Londres, S. Paulo, Nova Iorque. Em 1983 a estátua Camões é inaugurada em Cascais e dois anos depois instala-se em Évora.
Dos vários temas desenvolvidos pelo escultor, o dos corpos femininos é o mais marcante. João Cutileiro é extremamente independente e considera que a Arte sempre teve uma função decorativa e uma carga metafísica muito difícil de avaliar. Vê-se a si próprio (apenas) como artífice que usa a sua perícia para fazer "objectos decorativos", nos quais expressa sentimentos e ideias.
Não gosta de planear o que vai fazer porque segundo ele, “o desenho da obra passa pela maneira de a fazer e a maneira de a fazer passa por fazê-la no momento”, por isso não faz quaisquer estudos preliminares. Quando contacta com a pedra é o escultor, a máquina e a própria pedra que resolvem como trabalhar.
Cutileiro encarna por isso a definição de escultor que Alberti deu no século XV: tal como na definição, Cutileiro revela a imagem que vê no bloco de pedra, através da remoção do supérfluo. Esse é o seu método de trabalhar a pedra.
Sem papas na língua, João Cutileiro tem uma palavra a dizer sobre quase tudo e é directo e certeiro nas críticas que faz. Tem sempre uma história para contar e a capacidade de se rir de si próprio e das situações por que passou. É um homem simples no trato, apesar de ter fama (e de assumir) de que tem mau feitio. É fiel a uma auto-disciplina que o obriga a começar a trabalhar às seis da manhã.
É este o retrato sucinto de Cutileiro, o grande escultor que revolucionou a escultura portuguesa e que tem obras espalhadas por colecções do mundo inteiro; o homem que passa o dia coberto do pó da pedra e que assume que o que mais gosta de vestir para trabalhar são umas simples calças de fato de treino.